Os jogos olímpicos apresentam diversas histórias de superação. Quase em sua totalidade, baseadas em muita determinação, treino, um padrinho familiar ou treinador e a conquista de um resultado improvável. Essas histórias ocorrem a cada quatro anos e novamente nos colocamos frente à televisão para acompanhar mais uma vez esse quadro de exceção.

A verdade é que quando se trata de alto rendimento, todo o esforço dentre as centenas de medalhas é reservado para quem teve condições e melhor se preparou e, ainda que cometa falhas, dificilmente um resultado é construído apenas por uma sequencia de acasos. 

Histórias de exceção invadem nosso imaginário não só no esporte. Na vida de empresários de sucesso também é comum esse discurso: um filho de comerciante que percebeu o gosto pelo negócio ou pelo modo como conseguia se relacionar com as outras pessoas e que foi fazendo escolhas casuais e assim, atingiu seu primeiro milhão antes dos 30 anos. Esse mito também já foi desconstruído por diversos autores que já demonstraram o quanto de planejamento e de gerenciamento do negócio levaram a esses resultados.

Nesse contexto, como as pessoas esperam conseguir o sucesso nas artes no Brasil? Claro que existem novas histórias de acaso – um olheiro, um mecenas, uma crítica positiva em um jornal de destaque….  Esse aval público que resulta em um investimento financeiro ou mesmo um reconhecimento crítico pode alavancar a trajetória e garantir uma carreira de sucesso com a estabilidade para trabalhar com a arte. O inverso desse acaso seria o profissionalismo, ter uma dimensão completa de toda a cadeia cultural, sabendo direcionar seus esforços em relação à produção, difusão e formação para as artes.

Todo artista sabe o quanto ele trabalha, de segunda a segunda, buscando evoluir cada vez mais seu trabalho artístico, participando de diversos projetos simultaneamente em diferentes frentes para que consiga alcançar uma forma digna de viver com a arte. Outros ainda buscam mesclar ofícios diferentes e mantém a arte em seu estado amador que, assim como um passatempo, coloca-se cada vez mais recursos para fazer, sem conseguir receber pelo trabalho realizado. Todo esse esforço é louvável e certamente trará resultados. Mas quanto do esforço hoje está voltado para concretizar o trabalho como artista e quanto é dedicado ao acaso?

Um bom planejamento e uma gestão competente do que está sendo realizado permite que o artista possa definir metas artísticas e financeiras, para que cada etapa possa ser ultrapassada e que todo o processo seja revisitado e ampliado para um melhor resultado. Mais do que dominar sua arte, para ser profissional, o artista precisa se engajar no desenvolvimento do seu mercado.

O acaso é algo que pode ser maravilhoso se acontecer em nossas vidas, e todos os dias ele se apresenta de alguma forma. Mas nós só conseguimos desenvolver nas ações que estão em nosso controle. Não se controla o acaso. É necessário organizar uma nova agenda de desenvolvimento das artes e deixar o acaso agir livremente. Nesse sentido, observe no seu dia a dia o quanto você tem se dedicado a garantir novos recursos, mais público e o desenvolvimento do mercado cultural.

Esse desenvolvimento não é apenas individual. É sempre importante lembrar que na cultura não existe concorrência, não se trata de uma competição. A arte é aglutinadora e quanto maior o consumo artístico, mais ela se valoriza e amplia o alcance de todo mercado cultural. Olhar coletivamente para a arte e se unir em prol do desenvolvimento desse mercado é ampliar os investimentos na área, a atenção dos meios de comunicação e o interesse do público.

Esse desenvolvimento do mercado cultural é um trabalho cotidiano que é responsabilidade de todos os artistas. Não existe a curto prazo uma expectativa em um momento de crise de se esperar grandes investimentos no setor sem que exista uma completa organização profissional. O acaso pode estar ao nosso lado, mas é necessário dar condições para que ele possa se manifestar. 

Publicado originalmente no LinkedIn em 11 de agosto de 2016

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