É preciso saber tirar proveito de um edital de patrocínio sem ficar refém de suas regras. Ele não é o nem o início e nem o fim – é apenas uma ferramenta na relação artista, patrocinador e público.

Sempre que abre um edital de patrocínio, centenas (e as vezes milhares) de artistas começam a se agitar para elaborar novas propostas e assim viabilizar seus projetos. Destes, a grande maioria tenta organizar um novo projeto com base no que demanda o regulamento ou uma oportunidade em relacionar o desejo cultural aos objetivos de investimento social ou ação de marketing.

Buscar sinergia entre uma trajetória artística e o investimento privado é uma ótima estratégia na busca por patrocínio, mas o que essa corrida demonstra em sua maioria é um comportamento de escassez cultural. Motivados pelo financiamento, artistas julgam que podem encontrar em um patrocínio pontual um empurrão para que sua carreira atinja um novo patamar e assim possa garantir a continuidade de seus projetos.

No entanto o que acontece muitas vezes é uma contínua frustração tanto para os que não conseguem um lugar entre os selecionados, quanto para os que conseguem o tão esperado patrocínio, mas se distanciam do seu propósito artístico.

O motivo é o fato que o foco daquele projeto deixou de ser a realização do projeto e sim, ganhar o edital. Assim todos os esforços acabam sendo no sentido de cumprir uma série de ações que não estão relacionadas ao projeto como contrapartidas desalinhadas, circulações por espaços vazios e uma criação também esvaziada por uma série de trabalhos administrativos, porém necessários para garantir a plena execução da proposta.

O edital é um instrumento democrático para que artista e patrocinador alinhem seus objetivos para chegar até o público. Pense nele como uma ferramenta. Você pode usar um martelo para colocar um parafuso em uma madeira, mas se você tivesse procurado melhor, encontraria uma chave de fenda perfeita para esse trabalho.

O projeto cultural é maior que o edital, portanto não se cria a partir deste. Aliás, também não se define um coletivo cultural ou uma produção artística contínua a partir de um projeto. É necessário olhar para dentro e caminhar rumo a sua essência artística. Por mais complicado que pareça no princípio, essa clareza é que permite entender quais os caminhos que são coerentes e que irão potencializar essa trajetória.

Com essa clareza, torna-se possível o desenvolvimento de projetos consistentes que permitem o alinhamento entre as pessoas que estão envolvidas no trabalho dentro de sua trajetória artística, a coerência junto ao patrocinador e em relação a sua política de patrocínio e o desejo do público em relação à obra artística.

O edital é uma das partes dessa relação e é preciso deixar claro que, muitas vezes, nem mesmo o patrocinador está estruturado de forma correta para realizar a leitura dos seus objetivos e seus projetos patrocinados. No entanto, ao deixar claro seu projeto, naturalmente a qualidade da proposta salta aos olhos do avaliador e garante uma parceira duradoura.

Da mesma forma, a compreensão do público nem sempre corresponde ao senso comum, pois nem sempre o que é dito se comprova em ação. Saber exatamente o que o público deseja é um capítulo a parte dentro da produção cultural, mas um capítulo que deve ser escrito e revisado diariamente, pois ele sempre será a chave que determina o sucesso de um projeto.

Sendo assim, o principal ponto dessa sinergia que cabe aos produtores e artistas que buscam desenvolver sua proposta e garantir uma vida votada para o fazer artístico é o alinhamento entre os envolvidos no projeto. Defender diariamente o trabalho artístico garante que sua ação seja legítima, o que certamente permitirá que os envolvidos realmente se dediquem a boa execução e assim, realizem trabalhos relevantes e uma produção cultural realmente transformadora para a sociedade.

Publicado originalmente no LinkedIn em 18 de agosto de 2016

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